terça-feira, 12 de maio de 2009

Multa para pedestres só existe no papel

Sete anos depois da entrada em vigor do Código de Trânsito, ainda há artigos da lei que nunca foram aplicados. Um deles é o que prevê multas para pedestres. Até hoje, ninguém foi punido no Paraná por ter desrespeitado as proibições previstas para pessoas que andam a pé. Tampouco há alguma discussão nacional para que a lei seja cumprida. Enquanto isso, a inexistência de coação para inibir o mau comportamento do pedestre, juntamente com o desrespeito das normas de trânsito por parte dos motoristas, tem feito milhares de vítimas. No estado inteiro, no ano passado, foram quase 5 mil pessoas atropeladas (pelo menos 13 por dia, em média). Autoridades de trânsito dizem que, para que pudesse haver a punição dos pedestres que desrespeitam o código, seria preciso uma regulamentação nacional para definir as formas de puní-los e de cobrar a multa. “Como seria o procedimento para multar alguém: abordar a pessoa e pedir a identidade ou o CPF?”, questiona o major Julio Nobrega, assessor militar do Departamento Estadual de Trânsito do Paraná (Detran-PR). “O volume de multas ia ser muito grande e seria preciso fazer a cobrança de uma forma prática”, acrescenta o diretor da Diretoria de Trânsito de Curitiba (Diretran), coronel Gilberto Foltran. O advogado Marcelo Araújo, professor de Direito de Trânsito das Faculdades Curitiba, discorda da necessidade de uma regulamentação para que os pedestres sejam multados. “O artigo (que determina a multa para pedestres) é auto-aplicável”, diz ele. Segundo Araújo, a cobrança das multas teria que ser feita judicialmente. Apesar disso, o advogado reconhece que há uma série de empecilhos para que a lei venha a ser aplicada. O processo judicial para se fazer a cobrança, diz Araújo, acabaria custando mais do que o valor da multa (R$ 26,60). Ele acrescenta que como ninguém pode alegar desconhecimento da lei, a punição teria de incidir inclusive sobre crianças e idosos. “Ao que tudo indica, o artigo (da lei) caminha para ser letra morta”, diz o advogado. Segundo Araújo, atualmente não há nenhuma movimentação do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), o órgão nacional que regulamenta o código, para orientar a aplicação de multas para pedestres. “Existem outras prioridades.” Educação Diante das dificuldades em se aplicar a lei, o Detran e a Diretran apostam na educação para conscientizar os pedestres a respeitarem as normas de trânsito. Ambos órgãos desenvolvem atividades educativas em escolas. Gilberto Foltran, da Diretran, afirma ainda que a prefeitura de Curitiba tem programado o lançamento de uma campannha educativa pela televisão cujo foco será orientar os pedestres a respeitarem a faixa de travessia (outros focos serão o comportamento de ciclistas e motoqueiros e o uso do telefone celular pelos motoristas). Segundo Foltran, o cronograma de lançamento das campanhas, porém, vai depender da contratação de agências de publicidade pela prefeitura – o que ainda não foi feito. O presidente da Associação Brasileira de Pedestres, o engenheiro de transportes Eduardo José Daros, adverte, porém, que é preciso muito planejamento na hora de lançar campanhas educativas. Segundo ele, o comportamento inadequado de quem anda a pé não é uma questão de desconhecimento das regras. “É uma questão de valores. Temos que mudar valores”, diz ele. Dependendo da estratégia da comunicação, afirma ele, a campanha educativa pode se transformar em desperdício de dinheiro. Planejamento - Cidades não oferecem condições aos pedestres O presidente da Associação Brasileira de Pedestres, o engenheiro de transportes Eduardo José Daros, afirma que antes de se pensar em multar pessoas que andam a pé é preciso garantir os direitos dos “caminhantes”. “A multa poderia existir algum dia. Mas só depois de muita orientação e da melhoria das condições do tráfego para os pedestres”, diz ele. Daros admite que o pedestre, de um modo geral, se comporta mal. “Nós nos comportamos como um adolescente. Pensamos que somos imortais e corremos riscos desnecessários para ganhar um pouco mais de tempo, para andar mais rápido.” Mas, diz ele, a imprudência também é uma marca do motorista brasileiro. “A diferença é que o pedestre está em situação de desvantagem. A única coisa que o protege é a roupa do corpo.” Apesar disso, afirma o engenheiro, as cidades ainda privilegiam os carros e criam situações que induzem o pedestre a se expor ao risco. Curitiba, cidade em que morou muitos anos, seria um exemplo. A prefeitura abriu vias rápidas mas não instalou mecanismos de controle da velocidade para que o pedestre pudesse atravessá-las (os radares surgiram anos depois). Outra situação comum é a demora para que os semáforos fechem para carros. Segundo ele, a medida melhora o fluxo de veículos, mas expõe os pedestres. “Há um estudo inglês que mostra que, depois de um minuto, o pedestre desce a calçada para atravessar. Na hora que abre uma brecha, ele tenta.” A mesma lógica de se privilegiar os carros, diz Daros, está presente na construção de passarelas ou galerias subterrâneas para a travessia de pedestres. O objetivo dessas estruturas é garantir, em última instância, que o trânsito flua sem interrupção. Mas grande parte das passarelas são desconfortáveis, com muitos lances de escadas, o que acaba desincentivando seu uso. Daros lembra ainda que as condições de muitas calçadas fazem com que os pedestres prefiram caminhar no asfalto, mais liso e regular. Outro problema é a pavimentação de ruas sem que a calçada seja construída. Por fim, a instalação de placas de publicidade nos pontos de ônibus acaba dificultando a passagem de pedestres. “Isso é o fim da picada.” Conseqüências - Em atropelamento a 80 km/h, morte é quase certa O risco de atropelamento está diretamente relacionado à velocidade desenvolvida pelo carro. E, ao contrário do que muitos motoristas imaginam, velocidades supostamente baixas representam uma grande ameaça aos pedestres. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Pedestres, o risco de morte em um atropelamento com o carro a 32 km/h é de 5%. Ao dobrar essa velocidade (64 km/h), a taxa de risco de morte sobe para 85%. E, a partir dos 80 km/h, quase 100% dos atropelados morrem. Segundo ele, por isso é importante o controle da velocidade. A cidade de Zurique, na Suíça, baixou o limite de 60km/h para 50 km/h e conseguiu a redução de atropelamentos, afirma Eduardo José Daros. Segundo ele, isso ocorre porque o tempo de início de frenagem é lento. Um carro a 60 km/h, por exemplo, ao avistar uma pessoa a 44 metros de distância e ao frear nesse mesmo instante, não consegue parar antes de atropelar o pedestre. Vai atingir a vítima a uma velocidade de 44 km/h. Mas a 50 km/h o motorista consegue frear a tempo. Daros sugere também que, de noite ou sob neblina, pedestres deveriam usar roupas ou adesivos refletivos que podem ser vistos a 150 metros de distância. Pessoas com roupas brancas só são vistas a 60 metros. Um carro a 96 km/h, velocidade comum em rodovias, só consegue parar totalmente em 80 metros. Numa situação dessas, só pessoas com material refletivo não seriam atingidas.

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